O Inverno, o Jasmim e outros ciclos


Mete-me uma certa confusão esta romaria aos cemitérios, esta compra de afectos floridos, o aparecer para ser visto... como se mudasse algo.


Não, nem todos serão assim. Claro que não. Muita gente precisa do local de culto, do ritual, de ter um sitio em especial para fazer o luto, ou simplesmente como catalisador de memórias.

Cá no Sótão todos sabem que às cinzas voltarei. Não deixarei mais preocupações morto que em vida. Quem quiser que me mantenha vivo na sua memória. Para o mal e para o bem. Isso é o mais próximo de conquistar a eternidade, ficar na memória dos que ficam.

Confesso que me sinto dividido entre a festa celta do Samhain ou a versão colonizadora Católica do Dia de Todos os Santos. Como celtibero puro e assumido, sinto em mim o chamamento da natureza, do Animismo, do respeito ao Druida que tratava dos males do corpo e da alma, ao mesmo tempo que mantinha as tribos unidas e em paz.


Como baptizado forçado e crescido em ambiente católico, respeito e concordo com a homenagem aos que morreram, à lembrança pura e dura que por mais fortes que pensamos ser, por mais poderosos, que sejamos, não passamos de meros mortais que cairão na escuridão do esquecimento. Um edifício por mais alto que seja, depende das fundações, daqueles pequenos tijolos agrupados que não se vêm, mas que são fundamentais. 

Alguém que ignore o seu passado, perde-se no presente e não terá futuro.

Não somos apenas o momento... Essa utopia é composto dos momentos antecedentes que nos trouxeram até AGORA e que servirão de base para o momento seguinte. Se não tivermos solo firme, o passo seguinte será titubeante. É importante recordar os que nos precederam, mas também serve para deixar ir os mortos, em descanso… completar o luto.

Essa é a parte fundamental da festa celta.

O celebrar do fim do ciclo mais produtivo do ano, o verão, e abraçar o novo ano, a nova era, a vida que se renova. E como em qualquer momento de transição que se preze, é um momento frágil, um momento em que o mundo dos vivos e dos mortos tocam-se. E durante este período cinzento, tudo pode acontecer. Nesta noite, os celtas temiam que os mortos se apoderassem do corpo dos vivos por mais um ano, que os falecidos ainda perdurassem e condicionassem as opções dos que estão vivos. Havia que afastar o perigo, era de todo fundamental não ser encontrado por um morto.

Gosto da ideia. Fugir de um morto.


Se a projectar para os vivos que estão "mortos" para mim, o que mais espero é passar despercebido para eles.

Vida e morte são duas partes de um todo. Vivem e morrem em função uma da outra. Cada morte dá lugar a uma vida e vice-versa. Guardar os melhores momentos de algo ou alguém que já morreu, mantém-na viva. Enquanto quisermos.

O Dia de Todos os Santos lembra-nos isso: manter vivos quem queremos que esteja. Nada mais.


- Dedicado a todos aqueles que num momento do meu caminho, ficaram fisicamente para trás.


Levo-vos comigo.

 

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