Radios, fugas e oceanos

Uma das coisas que sempre me acompanhou e fez companhia, desde que tenho 1 palmo e meio de gente e conseguia escrever o meu nome completo, foi ouvir rádio. Entre minhas primeiras memórias que tenho disso, é lembrar-me de meu pai entrar em pleno sono avançado (pelo menos para mim, que era catraio do 2+2=brincadeira) e oferecer-me um radio a pilhas com transformador para ligar à corrente! 
Ena!
- "em onda média, -mw- ouves música e noticias do mundo inteiro, mas não vais perceber nada porque a maioria é em linguas de outros paises. Mas em fm apanhas as rádios de Portugal e ouves melhor. Agora dorme, que é tarde!"

Claro que tal como a ânsia de me mostrar o mundo em ondas hertzianas, a minha de as ouvir era igualmente urgente. Não, amanhã poderia não existir mw e fm, poderia nem haver mundo sequer, tinha que ser agora e já! Foi a minha primeira vez que o mundo entrou no meu quarto, assim como ele hoje ainda é, cheio de estática, distorção e magia.

Hoje que sou pai, compreendo o porquê de sua urgência em me oferecer o mundo a meus ouvidos. Cansado de mais uma viagem de compras, tinha que trazer o seu tesouro para mim. E não podia esperar até amanha... não... Imagino minha mãe a refilar com ele para me deixar dormir, para entregar amanhã, para não me acordar... Mas amanhã é sempre tarde demais, percebo isso agora. Ó se o percebo!

Escusado será dizer que o orçamento disponivel era "aliviado" para a portabilidade do aparelho receptor. E quando havia sol, toca a por as pilhas a bronzear, para dar só mais um bocadinho de música, do relato do futebol, das musicas em lingua esquisita.

Foi assim que comecei a tomar gosto pela companhia da rádio. Mais tarde descobri um programa que ainda hoje sobrevive e ouço quando estou a trabalhar noite dentro, ou simplesmente para embalar - Oceano Pacífico, de João Chaves. Sim, eu sei... Marcos André foi o locutor original, mas prontos, João Chaves É o Oceano Pacífico, ponto final exclamação

Oceano Pacifico não é apenas um programa... é bem mais que isso, é uma entidade viva, aquela companhia, aquela voz calma e sussurante que nos sopra ao ouvido pequenos pensamentos e conselhos entre músicas calmas, é uma verdadeira terapia de repouso. Não é à toa que se sobrevive  a mais de 25 anos de emissões, segunda a sexta, em doses de 4 horas... Tem que se ser bom, muito bom mesmo, para cativar audiências por tantos anos e fidelizar gerações diferentes.

Calma, eu sei que todos vocês conhecem o Oceano Pacifico, e que não vieram ao Sótão para saber os hábitos noturnos deste Inquilino... prontos, eu abrevio a coisa. Esta gente vê um bocadito de texto a mais e ficam logo com carita de enjoados e entediados... Ok, ok, não precisam se chatear! Chiça!

Então estava eu afogado em pleno mar de facturas e outros documentos gasparianos (tentando controlar minha vontade em mandar toda esta merda para o recuperador...), com o dito programa radiofónico (esse mesmo)a manter-me à tona da racionalidade, e eis que isto abstrai-me de tudo.



Alto e começa o baile! Amigo Gaspar colector, tu agora esperas que eu quero apreciar o momento!

Aqui o Inquilino gosta desta música. Aliás, e diga-se de passagem que a moçoila cantante tem boa perfomance. A musical, claro. É disso que estamos a falar, certo? Certo! 
Run -correr, fugir- para os tugas que usam a lingua para outras coisas menos para falar como os bifes e os camones fazem, é uma das minhas músicas do armário, daquelas que vou buscar quando preciso daquela dose de conforto, de energia extra, de companhia. A versão original é dos Snow Patrol, mas esta pikena dá outra roupagem à mensagem. E não é propriamente do despido que usa que estou a falar... é mais de algo muito sublime. Mas diferenciador.

Este é um daqueles casos em que a simples mudança do sexo cantante, muda toda a envolvência. Não, o Inquilino não flipou... Espero que não ehehe. E se isso acontecesse, o Senhorio trataria logo do assunto. Porque ele sabe tudo o que se passa aqui no Sótão. Cusco, é o que ele é! Mas recomecemos e sigamos para bingo.

O timbre feminino, agudo, penetrante da Leona, entra-nos pelos ouvidos e quase que inspiramos a canção. O martelar do piano vai desfazendo a nossa armadura, suave, mas eficazmente. Cada subida de tom,cada nota mais alta, faz parar os pulmões, para depois acompanhar nas descidas, soltando ar e emoções. E aquele toque muito próprio, muito feminino, o rosto colado, o cabelo que nos acaricia o rosto, aquela sensacao muito de macho, de ter ali a femea a cantar e a encantar, para nós, a bela a acalmar a besta com seus encantos, a mudar-nos por dentro. E mesmo que um gajo não perceba patavina do que a febra canta, caramba, aquilo mexe com um gajo! Até arrepia os pêlos todos! Esses também!

É, as gajas quando querem sabem nos dar a volta... Ó se sabem!

Agora, e se forem gajos, meus meninos, esquecam tudo o que escrevi antes. Agora vão aparecer os fulanos que já conheco de longa data e que quando quero, cantam para mim, mas que são trombudos como o caraças. Acabou-se o espectáculo, seus mijantes-em-pé!



Pois, diferente... Muito diferente! Agora é a vez do gajo tentar confortar a senhora... a musica abraça-a, junto ao peito. A bateria soa como as batidas do coração, e a viola sussuros ao ouvido, como fazemos quando queremos acalmar o gajedo. Mesmo o tom de voz do feioso, rouco, sussurrante, cria só por si, todo um ambiente protector.
Agora e a nossa vez de mandar e ter o papel principal! Agora somos nós que as protejemos dos malvados e dos dragões! Porra, somos machos ou não?!
Minha linda, o mundo pode estar a desabar que aqui o homem da casa, não te vai deixar acontecer nada! E mesmo se estivermos longe, nosso rugido vai afastar todo e qualquer mal que queiram fazer à nossa frágil donzela!
É do genero: ide em paz que este senhor não deixará ninguém tocar-te!

Mas à medida que a música avança, vai-se notando alguma sensação de impotência, que afinal de contas não controlamos tudo, mas que estamos aqui para o que der e vier. A viola quase no fim, soa como uma ladainha, uma prece murmurada entre lábios, uma esperança desejada no medo da perda.

E para este fulano perito em sofás e afins, é neste ponto que ambas as versões se tocam. Na esperança que a dor da separação termine um dia, mas até la tentam-se encorajar, cada um à sua maneira. E apesar de distantes, fogem juntos para si mesmos. Não consigo dizer qual a versão que gosto mais, apenas que tenho momentos para cada uma delas.

E por falar em momentos e fugas, o Gaspar chama.

Fujam. Mas não vão para longe. Podem se perder.






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