O reflexo envenenado e outras Brancas cegueiras
Há uma relação muito intensa e bipolar com o espelho.
Uma espécie de amor/ódio, um procurar e um rejeitar do que -não- queremos ver nele. Ou reconhecer.
O espelho cega-nos com tanta luz. Está ali tudo... o que desejaríamos ser e o que o tempo deixou cicatrizado no rosto... e no olhar.
É... o espelho mata-nos o discernimento e a esperança e em doses iguais.
Mas não desistimos. Vestimos o melhor sorriso, procuramos o melhor perfil, a melhor pose, a melhor expressão, o melhor... EU.
Transformamos a parede mágica numa fábrica de modelos de um EU especifico para um tempo específico, tentando disfarçar o Proto-EU que teima em aparecer nos momentos mais impróprios, mais indesejados. Aqueles momentos onde tu estás mais solto ou mais tenso.
Pois... o espelho, aquele pedaço de céu solidificado e misturado com água reflecte-te. Aquele amigo que sabes ter sempre razão mas com o qual não gostas nem queres concordar. O espelho desnuda-te... mostrando tudo aquilo que gostas e sobretudo, o que não gostas em ti.
Confessa...
Quantas vezes desejaste matar o que foste, ou a maneira como reages em situações que teimam em repetir-se? Quantas? Inúmeras, eu sei.
Ajeitas o cabelo, veste-te da melhor roupa e despejas na pele a poção mágica que alguém te deu para que te sentisses... especial. Olhas no espelho e gostas do que vês. Não és assim todos os dias... mas caramba! Hoje é HOJE! A sorrir, até te apetece dizer a velha frase que escutaste nos tempos em que não precisavas, não sentias falta, não o consultavas:
- "Espelho, espelho meu, existe no mundo alguém mais belo do que eu?"
Mas o espelho nada diz...
Talvez saiba que tu não és isto, que provada a maçã envenenada, cairás na deprimente realidade.
Silêncio.
O espelho fica em silêncio. E tu vês a resposta, ali... escarrapachada e evidente.
Partir o espelho em busca duma eventual Branca de Neve não resolve nada. Apenas multiplica a tua impotência perante o que e quem ÉS. Resta-te... virar as costas, desligar a luz e fechar a porta. Talvez assim aquele reflexo não te siga.
Mas sabes...
Aquele teu EU que vive no teu espelho, é o único que nunca te abandonará. Por mais que tentes.
E ou o aceitas, tentas conviver e assimilar... ou o EU que desenhaste para ti, a cosmética, a parede oca com que te rodeaste, desabará.
É apenas uma questão de tempo.
Animação muito interessante. Ah! Um dos EU parece um irrevogável político. Coincidências...
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