O berrante cinza e outros dilemas
Tenho a plena noção que parte da minha personalidade (chamem-lhe carácter, se preferirem) é fruto do que li na infância e adolescência.
Júlio Verne, Agatha Christie, os Sherlock Holmes de Arthur Conan Doyle, Robert A. Heinlein... e tantos outros que vinham nas colectâneas das Selecções do Reader's Digest -que meu pai tinha gosto em comprar, mas que nunca tinha tempo para ler-, eram a minha janela não só para um mundo distante, mas sobretudo para essa coisa estranha e complexa, que é o ser humano e suas reacções perante situações complicadas.
Mas era a banda desenhada da Marvel que me enchia as medidas.
A côr, a emoção estampada no rosto dos personagens, o conflito de personalidades, a eterna luta entre o bem e o mal.
Se há coisa que distingue os personagens de Stan Lee, é esse dilema interior entre o Certo, o seguir da Lei, o politicamente correcto... e o que é necessário ser feito para corrigir as injustiças ou parar um vilão qualquer.
É, os heróis da Marvel vivem nas sombras e sobretudo, naquela área cinzenta onde o Bem e o Mal cruzam e misturam-se. São apenas... humanos.
Será fácil concluir que vejo todos os filmes da Marvel. Uns melhores que outros... Mas há uma série que cruzei por acaso e que tem 2 dos meus preferidos...
Daredevil, da Netflix.
Não, não é o miserável filme com Ben Afleck e Colin Farrell. A série, plena de acção e dramas pessoais, está muito bem dentro do sombrio mundo do cego advogado Matt Murdock. Sim, cego. Tal como a "justiça" que teima em fazer quando os meios legais não funcionam, são demasiado lentos ou ineficazes. Quando assim é, entra em cena o Demolidor, esse vigilante do povo que serve de escape a toda uma raiva e impotência acumulada.
Liberta-se o monstro em nome da... Justiça.
Matt Murdock tinha mais que enredo e drama pessoal para encher a série... mas não... há mais. E de um cinzento ainda maior e mais carregado.
Frank Castle, The Punisher, é o anti-herói perfeito.
Alguém a quem mataram a família, num vulgar dia no parque, apenas porque estavam no lugar errado à hora errada. Frank Castle sobreviveu, mas o pai, o marido e o ser humano morreram nesse dia.
"I'm already dead."
O frio e letal Punisher existe apenas para eliminar física e literalmente cada criminoso que cruze no seu caminho, e claro, vingar-se de quem matou sua família.
Cruzar estes dois na mesma série... é brutal! A sua essência é a mesma... tentando não atingir inocentes no processo, mas a forma como lidam com a raiva que os consome, é apenas diferente na pele. Murdock veste o fato vermelho e resolve as coisas com os punhos, sem nunca matar; Castle veste o soldado de elite que foi, e pura e simplesmente elimina os seus inimigos da forma que lhe parece melhor e definitiva: matando-os.
Há um respeito mútuo entre ambos, com cada qual tentando modificar o comportamento do outro. Sem sucesso, diga-se. Mas não é difícil gostar de ambos. Basta compreender o que criou tanta raiva.
Aceite-se ou não, nada é preto e branco neste mundo.
Tal como nas séries do momento.
"Daredevil: “Why are you doing this?
“You hit ’em, and they get back up. I hit ’em, and they stay down.” –Frank"
O vídeo é violento. Tal como a série e tudo o resto que nos cerca.
Estão por vossa conta.
Obrigado pelo vosso tempo.
( outra possivel decoração musicada: https://youtu.be/3GdPwuYok6k )
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