Verdes anos e outros Fados


Recentemente tropecei - outra vez - num video que já conhecia e que tinha despertado a minha atenção, mas por mera falta de tempo, não o pude dissecar com olhos de ver.
É uma toda nova interpretação para um clássico da música portuguesa - Verdes Anos, de Carlos Paredes. A guitarra portuguesa já traz embutida o lamento lusitano, o tal fado que nos persegue mas também empurra, o choro misturado no mar, a lamúria do quão grande fomos no passado. Como Nação, como povo... como pessoas.




Este arranjo dá uma modernidade, um veludo, uma envolvência melancólica, que apesar de sufocante, torna-se... doce. Deliciosamente triste, sem perder o cunho original, sem perder o triste fado que nos persegue. E a coreografia... Muito bem conseguida, com o desepero, a amargura, a impotência de nada podermos fazer perante a inevitabilidade das coisas que não dominamos. Chamemo-lhes tempo, destino, sorte... ou simplesmeste, Fado.

Tenho a certeza que minha leitura passa no crivo do meu Fado. Não há como fugir, todos temos o nooso modelo, o nosso filtro das coisas... mas este é o Fado que eu leio nisto:


Carregas na tua pele as cicatrizes, agora maduras, dos teus longos e verdes anos.
Aqueles que passaram tão depressa, mas tão depressa, que nem te apercebestes das paredes nas quais te atiravas, sempre a sorrir, naquela vã esperança de encontrar uma porta... uma simples janela.
Mas não... nem a parede cedia, nem tu paravas de tentar. Uma e outra vez... até teu corpo maduro ceder perante a imensidão do tecido cicatricial.
A mesma pele, aquela em que os teus dedos deslizavam suavemente, é agora nada mais e que um amontoado de marcas e eventos catastróficos.
Algumas surgiram sem dares por isso... talvez seja mesmo assim, sem teres culpa... mas estão aí, não desaparecem. Outras tentaste dissolver com o dilúvio do pranto... apenas as fechaste por fora.

Por fora...

Mas as piores... as piores são aquelas em que tu sabes, tu sentes, tu desististe de tentar fechar. Não derramas uma unica lagrima sequer, nao vale a pena o esforco, deixas crescer o deserto na tua pele. Apenas rezas para que não seja agora, não seja esta, a tua última cicatriz.

Sim... porque tu sabes que quando não tiveres mais pele, deixarás de ser tu. Serás apenas uma colectânea de cataclismos. Olharás para o espelho, e não reconheceras o que eras, quem tu eras, nos teus verdes anos.

Não que tenhas desaparecido totalmente... mas quando deixas de poder tocar e trocar de pele, quando deixas de poder comunicar e sentir pela pele, pela tua própria pele...

Sabes, eu acho que morremos quando já não temos mais pele original...

Vamos secando por dentro, esfriando... até quase nada nos afectar. Ou emocionar.
Há quem chame a isto amadurecer... embora maduro seja apenas o estado imediatamente anterior ao... podre.
E podre... podre vê-se na pele.

A mesma pele que outrora foi fresca... e verde.




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