Commotio Cordis e outras cicatrizes
Que foi? Não sabem o que é Commotio Cordis?
Opa, então, têm duas soluções: ou esperam que aqui o iletrado vos elucide, ou então, epa... como é que é aquele neologismo todo engraçado, que me faz lembrar o Mister Magoo?... Googlem! Isso mesmo, googlem, se não quiserem ter a trabalheira de ler um texto com mais de 5 linhas.
Ok, se estão a ler isto, é porque ainda aqui ficaram! Então esperem mais um bocadinho que já lá vamos... entretanto, e cada vez que eu preciso de uma decoração sonora para dar o devido ambiente sentimental à coisa, quem é que eu procuro? quem? ora digam lá! Muito bem! Paulo Fernandes. Não é à toa que muita gente pensa que somos a mesma pessoa... mas acreditem que não! Apesar das almas serem semelhantes, estamos contidos em embalagens diferentes. Digamos que o Paulito tem uma sombra mais comprida que a minha.
Não ficaram aqui para me ouvir falar do Paulo?! Epa, já vai! Apressados! Música maestro!!!
Cicatrizes... lá dizia o fulano da terra da Merkl... e tinha toda a razão... O que não nos mata torna-nos mais fortes. Segundo o moço lá de Ermesinde... "Fazem-me lembrar que eu fui mais forte do que aquilo que me feriu!"
Só nos magoa quem está perto. E quanto maior for a proximidade, maior o golpe. Porque os outros, aqueles que estão para lá da muralha que construimos em nossa volta, esses dificilmente nos atingirão. Quando muito, um vidro partido, uma parede suja... nada que não se resolva. E esqueça!
Aqueles que doem, aqueles que deixam cicatriz, esses vêm de onde menos esperamos. Cortam-nos, de dentro para fora, fracturando ossos, esvaziando a alma pela ferida aberta. Gente que cruzamos diariamente, que cumprimentamos, emprestamos dinheiro, gente a quem ouvimos, apoiamos e nos preocupamos. A mesma gente que no instante seguinte, vira a face para o lado, abaixa o olhar, não rasga o silêncio.
Gente pequena. Na pequenez dos seus problemas. Corpos virados para dentro, alheios ao sofrimento alheio. Não lhes toca... literalmente não lhes toca. Nem deixam que isso aconteça. Não importa se estranhaste sua ausência e desejaste as melhoras... nem sequer se estavas ali, sempre disponivel até para emprestar dinheiro que te fazia falta, ou lhe trazias os filhos no teu carro da escola, ou o computador que lhes arranjaste.
NADA! Silencio. Não é problema deles, ponto final. Depois quando te cruzas, olhos nos olhos, dão-te aquela esfarrapada desculpa, perguntam se está tudo bem, que se for preciso... sem o minimo de nexo, sensibilidade ou inteligência. Sorrimos, o cumprimento trivial, e gritamos bem alto na nossa cabeca "vai pro caralho!" Pode ser que consigam ler nos nossos olhos.. mas nem isso conseguem, desviam o olhar. Cobardes! Era preciso sim senhor! Mas agora... NÃO OBRIGADO! Que fiquem no vosso cantinho, e morram sozinhos, perdidos no vazio da vossa alma.
É... cicatrizes. Fazem-nos lembrar quem e o que nos marcou. Algumas demoram mais a fechar, outras reabrirão outra vez, mas porra! Sobrevivemos! E aprendemos. Fazem parte agora daquilo que somos. Como qualquer cicatriz, ficamos de-formados. Des-viados do que éramos até ali. Cada cicatriz é um trofeu, uma nota escrita na pele, um marco geodésico que nos orientará daqui em diante. E não, nunca mais seremos iguais. Tal como a pele, ficámos menos elásticos, mais espessos e duros. Menos suaves ao toque... insensiveis.
E fechamo-nos. Passamos a ser a pele, em vez da alma. O que não se sente, não existe. Frios, encerrados num invólucro que interage, sensorial qb à flor da pele. Apenas e só. Modo de sobrevivência, humanidade suspensa, coração que bate, mas não vive.
Commotio cordis. Literalmente em latim: agitação do coração. Mas para o comum dos mortais é isso mesmo: morte súbita por trauma directo no lado esquerdo do peito, mesmo sem sinal de lesão aparente ou dano fisico evidente. Morre-se por uma pancada ocasional, inesperada, e que nem precisa de ser forte. Apenas no sitio e tempo certos, e quando menos esperamos por isso.
Sim, por momentos, aqui no Sótão estivemos em paragem emocional. Foi forte a pancada. O auxilio, o apoio simbólico, o "estamos aqui", não de quem contávamos com isso. Dir-me-ão vocês: "ninguém é obrigado a ajudar... podiam não saber..."
TRETAS! A simples ausência, o silêncio, devia ser motivo para fazer disparar as campainhas de alarme dos que são próximos. Familiares inclusive. Mas como diz o povão..."familia é para tirar retrato", "tenho conhecidos mas não amigos". E fechámos as portas. Do Sótão e da alma.
Frios, contendo as fugas, tapando os buracos da muralha, reforçando muros e paredes, com as cinzas do que morreu no processo.
Sobre(vive-se), naquele processo automático e autónomo, comercial, de relações em função do que o outro tem que te interesse... negoceia-se o sorriso de igual modo que o pão na mesa. Mas não se abraça...não se oferece o nosso ombro. Até podes ir para a cama trocar prazeres, gemidos e fluidos, mas nunca o abraço. Porque o abraco é o mais intimo e genuino abrigo que podes dar a alguém. E isso nao tem preco... nem todos o conseguem partilhar.
É... por alguns dias ficamos aqui fechados. Na sombra.
E apareceram vocês. Não que não tenha amigos por perto... felizmente ainda me sobra um bom punhado deles. Mas amigos anónimos ou não, improváveis, distantes... Preocupação legitima pelo meu silêncio. Não pelos meus textos... ou sequer pelo que aconteceu... mas por mim, por aquilo que sou para vós. Vocês sabem quem são... Pelos posts, pelas mensagens que deixaram, pelos comentários... sobretudo por não desistirem ao primeiro silêncio meu. E isso tocou-me. Fez-me regressar. Porque ainda ha gente que merece, que vive para além da sua pele, que é... humano. Para esses vale a pena abrir a porta.
Mesmo correndo o risco de me me causarem uma futura cicatriz. Porque sou aquilo que sinto e quem me rodeia. Tal como diz o feiticeiro dos videos: "É essa a razão do que faço, por isso crio. E por isso me sinto tão bem a criar aquilo que sinto".
Digam?! O que me aconteceu?! Epa, aconteceu, é irrevogalmente mais irrevogavel que o irrevogavel do outro. O que importa é que estamos aqui, graças também a vocês.
E isso não esqueço. Nunca!
Obrigado.
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