O tempo das palavras sobre o tempo
Vocês sabem aqueles momentos em que ficamos com alguém frente a frente, alguém que não conhecemos ou não temos confiança suficiente para conversar abertamente?
Claro que sabem! Aliás, já os viveram, já sentiram aquele desconforto, o encostar num canto, o olhar para o relogio 321 vezes num minuto... ler a revista ao contrário... mas sabem, sentem, que não há fuga possivel... que vai ter que ser... Porque ora estão no elevador... ou foram abandonados frente àquele familiar que não vos é familiar, de todo! Ou ainda numa sala de espera qualquer e alguém tenta a todo custo meter conversa convosco.
E falam do tempo. Do estio que não vos deixa dormir. Ou da chuva que não vos deixa secar a camisa que tanto gostam... do vento que assobia pelas frestas da janela e assusta vossa alma...
E começa a conversa. Com tempoe do tempo... palavras que voam no vento do tempo. Sim, o tempo é para todos. Conversa banal, que não afecta nem compromete. E quando te apercebes, a conversa já vai longa, e o tempo de falar do tempo, perdeu o seu tempo. Agora é tempo de seguir em frente, de conhecer, de conversar... de partilhar.
As palavras são como as cerejas. Dizem. Pessoalmente algumas deixaram-me amargos de boca. Verdes no palavrejar, imaturas na fábrica, prematuras na lingua. Mas tu vais falando, vais contando pedaços de ti, e ouves... imaginas... e de repente, as palavras são muito mais que isso... palavras.
Já não as medes, já não receias o seu efeito. Debates, gesticulas, sorris, seduzes... e num instante, as palavras emudecem-se num beijo. Elas estão lá...maduras, naquela maturidade tão própria, tão cúmplice, que perderam sua fonética, seu ruido.
Agora tu já nem precisas libertar sons para conversar. Tu sabes, tu sentes o que alguém te quer dizer. Não que sejam agora inúteis... não... elas estão lá... são protocolares, iniciam e terminam o discurso. Mas a mensagem, a essência, está implicita, qual fruto maduro que basta olhar para ele, que se sente imediatamente o gosto na boca.
Na boca. E aos poucos vão ficando presas na garganta. Uma aqui... outra ali... e quando dás conta, a conversa de tão madura que estava... apodreceu.
Talvez não tivesses colhido as palavras no tempo certo... Talvez não as tivesses plantado bem... não germinaram, não criaram raizes.
E tudo o que não tem raizes, o vento leva. Ou a chuva arrasta.
Num instante estás outra vez a falar do tempo... da merda do tempo. E apercebes-te que o tempo da conversa está a chegar ao fim.
É... o tempo... a treta da conversa do tempo... e de repente sentes que já nada do que dizes interessa... que é tempo de fechares a boca e deixares de ouvir o que a parede tem para te dizer. Porque fala-te do tempo.
E isso... isso é tempo perdido. Talvez seja tempo de também tu falares do tempo.
Noutro tempo, noutro lugar. Porque para falar do tempo, há sempre tempo. Há sempre alguém que te escolherá para falar do tempo.
É uma questão de tempo.
Mas já viram que está um calor do insuportável?!
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