Espumas e outros ciclos



Quantos barcos, quantos vidas, quantas almas
Viste partir, chegar, desaparecer...
Quantos filhos teus sentiste as ondas levar... desfazer, para depois te atirar com os teus grães de areia contra ti mesmo... 
E tu fervilhas... espumas. Não de imponência, mas de impotência.









O vento moldou-te o corpo. De-formou-te num rosto humano. Impávido, sereno... conformado.
Tens o tamanho do tempo e o peso das camadas que a Natureza te quis dar... vagarosamente acrescentado e aumentado. Enorme, imponente... assustador.

O vento segredou-te há muito o teu destino. Não és imortal nem imutável. Quebrarás, com a cadência das ondas e a caricia do vento... camada após camada. Serás apenas mais um grão de areia levado na espuma. Talvez repouses lá no fundo do mar... ou condenado a fustigar outros iguais a ti... talvez um balde e uma pá te moldem num castelo à beira sorrisos plantado. Sim, seria agradável sentir o calor humano... a vida ali tão perto...

Pois... a vida.

Tu sabes o que é isso da vida. Até a suportas nos teus entalhes, nas tuas falhas... Viste germinar, crescer, largar a semente... e desaparecer. Observaste os barcos colidir contra ti, ouviste os gritos que ainda hoje passeiam no vento de inverno... suportaste o embate abafado... impávido, sereno... imóvel.
Mas que poderias tu fazer?! Nada! Apenas observar.

E esperar.

Esperar que o mar te desfaça os lábios, o nariz... e o olhar.

Porque o que os olhos não vêem, o coração não sente.

Mesmo os de pedra.






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