O virtual acerto de contas com a realidade


Estava eu aqui sentado, nesta espécie de sofá que o Sótão tem (mas que não é O SOFÁ, não dá aquele conforto, abrigo e intimidade que o meu velhinho sofá tinha), entretido entre jornais e tv ligada, naquele canal da nostalgia (não, não é o BenficaTV nem o rtp memoria...), o VH1, aquele que os cotas como o Inquilino ouvem quando sentem o chamamento das memórias, e passa isto...



Eu já conhecia a remix daylight, aquela mais aceitavel para passar em todo o lado, mas esta é pura e dura, é sodoma e gomorra, é consumir a vida toda numa só noite, como se não existisse amanhã. Não deixes para amanhã o que podes gozar hoje. Até porque o amanhã traz a luz do dia, a dor de cabeça, e a revolta do estômago... Não... aproveitemos hoje, amanhã pode não acontecer.

O Inquilino sabe bem o que é isto dos excessos... ò se sabe! Também os teve. Em doses repetidas, prolongadas e épicas! O gosto na boca pela manhã, conhece o estranho que nos olha no espelho, os tambores que teimam em martirizar o cérebro, as tentativas de meter alimentos no bucho... É... E também sabe que a promessa de não repetir não dura muito...

Esta versão é um excerto da música original. Tirou-se apenas a parte da mensagem que interessa, que vende facilmente, que não faz pensar muito. Junte-se a batida, acelere-se o pitch, some-se imagens a condizer, e temos uma receita de sucesso para os tempos de hoje. Onde se vive o agora, o já, onde se transforma em cinzas um possivel futuro na fogueira dos extremos imediatos. Cada vez mais. Estamos na era das redes sociais, onde para ser conhecido tem que se chocar, tem que se ser capaz ir para além do que os milhares que nos entram pela janela virtual conseguem fazer. Porque dos amigos reais, da vida vivida, isso já não existe, não conta, já é demasiadamente pequeno para os egos narcisistas actuais. Ou és o maior, ou não és nada. Não há meio termo. Não há bom senso. Apenas estupidez.

E como conseguir a eternidade? Não perder tempo com relações, nem com pessoas sequer. Torna-se fácil SUPOR o que seria, em vez de tentar SER. Troca-se a vivência pela alienação. Muda-se o sentido às portas das emoções. Em vez de brotarem de dentro para fora, tomamos as chaves do álcool, das drogas, dos extremos, para que as mesmas venham por estimulo exterior. Não são nossas, mas também não temos compromissos com as mesmas. Entram e saiem. Com a mesma facilidade. E nada fica. Para além do vazio que pede sempre mais...

E este é o mérito desta versão. Finge-se que se lamenta o que não se terá, mas entretanto vai-se vivendo nos limites. E quem vive nos limites não pode pensar em futuros, apenas supor que histórias contaria se lá chegasse. SE...

E depois temos a música original. 



Tal como a vida em si mesma, muito mais cheia, muito mais sentida, muito preenchida e marcada de passado, dos caminhos e escolhas tomadas, e suas consequências. O presente deixou de existir, é apenas uma utopia, um frágil momento entre o passado e o futuro, naquele frágil equilibrio do amanhecer, onde se mistura a escuridão da noite vivida (a dor da perda, da separação) e o nascer do dia, que trará um futuro sem as sombras da noite. Um dia que poderia ser vivido doutra maneira, uma história que poderia ter tido outro rumo, se algo tivesse sido diferente na "noite" anterior. 

Na versão "curta" opta-se pelo agora, abdicando do futuro, ou pelo menos não se importando muito com isso. Aqui, no cinzentismo sombrio das cinzas das relações queimadas, reconhece-se na letra completa que o caminho podia e deveria ter sido diferente... que nunca se imaginou que poderia acabar assim. Revive-se o futuro não previsto, num passado que se assombra o presente e se estende pelo amanhã, numa constatação de impotência e que frusta todo um futuro, pelo menos o mais presente.

Não se apontam culpados. Ou melhor, ambos são culpados por terem optado pelo caminho mais fácil, por terem desistido de um caminho comum. Pois... só na ausência, só depois da perda, é que damos valor, é que notamos e sentimos a falta que nos fazem. O estrago está feito, e escondem-se os buracos numa aparente indiferença...Como se nada tivesse passado... E segue-se em frente. Mas com a mágoa lá no fundo... 

Sim, poderia ter sido diferente... Poderia ter sido muito diferente. Mas não foi, e isso estará sempre presente no futuro.  

O grande ponto comum entre estas duas versões, é a virtualidade. Essa virtualidade tão real nos dias de hoje. Numa vivemos extremamente no presente, com emoções e relações virtuais, abdicando de um futuro que parece não existir nem pensamos chegar lá... na outra temos um passado muito real que nos leva para um futuro que poderia ter sido diferente, um futuro virtual. E pensamos como seria se... 

Aqui o Inquilino gosta bastante da sonoridade da versão "leve", mas prefere o conteudo, a história e a realidade da versão original. Existe mais vida e emoção na pureza musical e na interpretação do pikeno que na plasticidade da dançável. E convenhamos que para estes lados soa a realidade também...

Mas cada um é livre de suas escolhas, de viver o seu presente, lembrar seu passado, e preparar seu futuro.

Virtual, ou não.




 




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